Dúvidas e Invasões

Zvenn entrava em seus domínios e conforme pisava no chão da entrada a grama que começava a surgir ali parecia definhar novamente, seu senhor havia voltado e aos poucos o Sluagh sabia que o lugar voltaria a ser o que era.

Entra na casa e nota que havia mais cores  do que deveria apesar das teias de aranha que insistiam em ficar por ali. Vai até o quarto e se depara com algo inusitado.

Parecia que alguém havia sido amarrado naquela cama, havia amarras e diversos remédios estilo Rivotril jogados no criado-mudo.

Havia sangue seco pelo chão e um dos enfeites da madeira da velha cama parecia estar quebrado.

Zvenn escuta então o barulho da porta da sala sendo aberta.

Aquilo tudo era muito estranho e inquietante. O que havia acontecido ali em sua ausência? 

O Sluagh se preparava para começar a investigar o que teria ocorrido em seus domínios em sua ausência quando escuta o som que lhe dá o alerta.

*Esse lugar ainda não é o meu lugar*

Não era seguro. Só seria quando voltasse a ser o que era e até lá, a guarda tinha que estar alerta. 

Zvenn busca a sombra mais escura do local para nela se abrigar e, dela, tentar observar quem era o intruso a quem ele daria uma nova perspectiva de vida...

O Sluagh conhecia cada canto e cada brecha daquela casa. Ela estava diferente mas ainda era a mesma. Ele então escuta risadas. Um casal de adolescentes havia entrado. A menina falava:

" - Tem certeza que é seguro aqui? E se tiver algum mendigo morando nessa casa?"

O garoto tentava beijá-la e responde:

" - Fica tranquila que não tem ninguém não, até as crianças tem vindo brincar aqui às vezes.. Tá abandonado há um tempão. Ouvi dizer que o doido que morava aqui morreu."

Zvenn sabia que até um tempo atrás isso não teria acontecido, ninguém se atreveria a entrar em seus domínios.

Nunca peça para um nobre fazer o trabalho de um plebeu. Ou melhor, nunca peça nada a um nobre. Nobres são incapazes de fazer quais quer coisa, vivem para reclamar e para dar trabalho a quem realmente faz algo.

Zvenn ficou algum tempo fora, não importava o quanto. Perdera, nesse tempo, tudo que tinha - ou quase tudo! A ex-Baronesa-Atual-Condessa tinha ficado tomando conta do lugar e, como se não bastasse a breguisse das cores, ela tinha feito um trabalho tão porco quanto seu pet de estimação.

E deu no que deu!

Os passos que Zvenn ouvia se revelam um casal de amantes. Um casal que tinha audácia de profanar seu ambiente sagrado com a nojeira do amor e ainda o chamava de doido.

Doido?

Zvenn não era doido! Zvenn era excêntrico. E eles pagariam pela audácia.

Movendo-se pelas sombras, o Sluagh pega o pó dos móveis do local e, mirando no casal assopra o mesmo e diz sussurrante:

'- Pó, de onde muitos vieram, pra onde muitos voltarão, cegue os olhos apaixonados daquele que trouxe sua concubina para meus domínios, e faça esconda a amante do amado...''

O pó segue com o vento, em breve, aquele que o chamou de doido iria começar a saborear o doce gosto da loucura. Os jogos estavam apenas começando.

 3 Sucessos para Olhos Velados

A poeira parecia maior do que deveria ser e vai em direção ao casal que começa a tossir por um tempo. O homem estava lá, mas ao mesmo tempo não estava. A poeira ajudava a encobrir o Olhos Velados. A menina balançando as mãos começa a falar com uma expressão assustada:

" Carlos! Carlos! cade você?? Vamos embora daqui"

Zvenn sente o glamour se movimentando ali, aquele medo deixava a imaginação da mulher solta pensando no que poderia estar ali. Ela começava a produzir um Glamour negro e instável. Além de se divertir, com um pouco mais de esforço no terror, Zvenn poderia consumir aquele Glamour que os humanos pareciam gerar.

*Carlos... ele nunca vai esquecer desse dia...* - pensava Zvenn com um diabólico sorriso em seu rosto. O Sluagh passa por um armário próximo a onde estava a dupla, deixando cair alguns objetos para fazer barulho. 

Enquanto fazia o barulho, Zvenn se deslocava de modo furtivo para ficar entre o grupo e a saída, mas mantendo eles em seu campo de visão. O desespero deles alimentava o íntimo do Sluagh que queria se divertir mais.

*Vocês querem brincar no escuro, crianças?* - pensa enquanto preparava o "bote".

 4 Sucessos na Furtividade

A menina procurava a saída, mas no desespero não conseguia achar, parecia que a própria casa se movia de alguma forma a ajudava Zvenn na sua empreitada. Isso aumentava sua conexão com seu Freehold.

Dois quadros que estavam na parede caem fazendo um grande barulho, o Sluagh não havia os derrubado, mas olha e percebe que quem o havia derrubado era o fantasma que às vezes o seguia. Ele parecia também gostar daquela situação.

O homem tateava as paredes procurando também uma saída sem sucesso.

Aquilo era diferente de apenas um susto, aquilo era medo, eles estavam sentindo um medo antigo e primordial que parecia vir carregado na sua genético pelo seus ancestrais, enquanto o Sluagh tem a sensação de quase lembrar na época de que os humanos acreditavam piamente sobre qualquer história que era contada e tinha a capacidade de temerem o desconhecido de forma visceral.

A diversão havia começado.

Depois de toda a jornada atrás da rabeca, depois de ter viajado pela própria mente, depois de sacrifícios que lhe rasgaram a alma, Zvenn poderia voltar a simplesmente se divertir. 

E como era bom isso.

A menina procurava a saída mas não conseguia e a queda dos quadros denuncia que aquela que lhe assombrava, também se divertia. Era um reencontro: Zvenn, seu freehold e seus fantasmas. Era o momento de ser mais Zvenn e na ode composta por toda essa recomposição, o Sluagh sente o glamour emanando daquela jovem e inebriando o Sluagh.

Não era como as drogas humanas, era um êxtase mais real que invadia a essência daquele que escutava os sussurros das almas e parecia se unir a ele, tornando-o mais de si, lembrando a ele quem ele era, lembrado o que ele era.

O sorriso divertido dava lugar a um sorriso medonho que expunha dentes tortos, alguns afiados. As cavidades oraculares pareciam mais profundas e por ela entravam e saíam aranhas das mais diversas espécies, que percorriam com suas patas o rosto do Sluagh, entrando em outras cavidades e provocando uma cosquinha agradável na pele do mesmo.

O doce gosto do medo tocava seu paladar. Era doce, mais doce que o chocolate, mais saboroso que uma torta alemã... era um gosto que revigorava e deixava o Sluagh pronto para reaver tudo que havia perdido. A Começar pela casa. Com o cotovelo, enquanto se deslocava pelas sombras quebra uma janela, assustando ainda mais os jovens. 

Estava saciado, mas ainda queria vê-los fugindo desesperados pelo doce gosto do mais primordial dos medos que lhes assombrava a alma.


 03 sucessos na devastação; Zvenn ganha 1 de Glamour permanente.
 02 sucessos na Furtividade; Zvenn gastou 1 de Força de Vontade nesse teste.

Zvenn se deliciava com o Glamour emanando daqueles humanos. Provavelmente eles iam precisar de um tempo para poder gerar novamente, mas valia à pena. Era como tirar doce de criança e tão natural para o Sluagh que ele se sentia mais ele mesmo.

Após a primeira inspiração do Glamour Zvenn vê seu Freehold mudar também. as cores verde e dourado pareciam se deteriorar e manchas de mofo aparecem nas paredes. A aura do lugar também mudava sendo algo mais pesado e assustador, lugares onde a luz entrava eram bloqueados por algumas plantas espinhentas. e até um lustre que havia na sala mudava sua luz para algo mais sombrio. Finalmente, tinha seu freehold de volta.

Zvenn olha então para uma das paredes e nota que um negro circulo começa a se formar nela, ele conhecia aquilo e parecia ser o uso da arte Andanças, algum tipo de portal. Ele sabia que algo sairia dali.

Escutava então um farfalhar de asas e vê seu corvo sair voando um pouco estabanado do portal, ele pousa nas costas de uma cadeira que estava ali perto. Mas estava diferente.

Anteriormente, Noct tinha apenas um olho, agora do buraco onde deveria estar o olho do corvo saíam dois olhos humanos completamente desproporcionais ao corpo da quimera. Eles eram ligados por nervos óticos que como se fossem dois tentáculos seguravam os olhos fazendo com que eles ficassem suspensos e se virasse para diferente lugares. Zvenn reconhecia, aqueles eram seus olhos.

Os dois olhos observam o ambiente e depois se focam no Sluagh.

Zvenn sentia aquele Glamour e como era bom roubá-lo das crianças. Sim, roubá-lo. Zvenn se sentia melhor pensando que roubara as crianças do que se alimentando delas. Não por nada meramente moral, apenas porque sim. O Sluagh se deleitava com aquela absorção de energia que lhe fazia sentir mais de si mesmo enquanto seus globos oculares vazios observam toda a decoração brega da Condessa se transformando no aconchego de seu lar. O mofo, os tons de cinza, as teias de aranha, a escuridão. Seu Freehold estava de volta.

'- Muito melhor assim...' - sussurra para si mesmo.

Mas nada que era bom, durava para sempre. Alguém chegava sem ser convidado e um círculo negro se forma na parede. Um portal indicava que alguém queria lhe falar sem precisar bater na porta.  E dele sai quem ele menos esperava.

'- Noct?!'

Pessoas normais ficariam felizes em encontrar algo que era como uma parte de sua essência, mas Zvenn era desconfiado. O Sluagh sabia que não devia buscar respostas racionais para algo que vinha dos sonhos, e isso limitava ainda mais sua compreensão. Mas os olhos que agora Noct tinham, faziam ele lembrar do que aconteceu e do seu sacrifício.

Se aproximando do Corvo, o Sluagh comenta:

'- Assim como eu carreguei um pouco de você comigo, você carregou um pouco de mim com você... mas e o garoto?' - fala enquanto se aproxima.

Zvenn havia dado seus olhos para o corvo e seu coração para a criança, para que saíssem da prisão de sua mente e ao rever o corvo, naturalmente voltou a curiosidade sobre a criança.

O Sluagh deixa os jovens fugirem sem se preocupar com eles, Noct era o dono de sua atenção agora.

Noct era uma Quimera inteligente, de fato. Mas obviamente tinha uma comunicação um pouco diferenciada visto o corvo que era. Ele fala com sua voz de corvo:

" - O garoto passou para o lado de lá. Eu vi! Eu vi! Ele atravessou a mortalha! Olhos-de-Corvo me trouxe até aqui! Ele pode te ajudar a passar pro lado de lá!"

Os novos olhos de Zvenn do corvo, olhavam em volta sem parar, parecia que ele estava se acostumando ainda sustendo pelos próprios nervos ópticos. Ele então se foca no portal que estava aberto e começa a grasnar:

" - Vai! Vai! Olhos-de-Corvo! Depois disso, Nunca Mais!"

*O Garoto tinha o quê? Mas como?*

Nenhuma diversão dura muito tempo. Os humanos mais banais diriam que alegria de pobre durava pouco, mas Zvenn enxergava com outros olhos. Ele havia acabado de emanar o Glamour. Se sentia maior e mais si mesmo, o choque da realidade era como uma força gravitacional que o puxava novamente para seu eixo insano.

O Sluagh dá dois passos na direção do portal e apenas diz sussurrante como sempre:

'- E você Noct? Você vem comigo, Corvo de Muitos Olhos?'

Para na frente do portal pronto para passar, mas espera a resposta da Quimera.

*O que diabos Trevor Olhos-de-Corvo tem a ver com o moleque? Porque ele está se metendo nisso...* - reflete curioso o Sluagh.

Noct bate as asas e voa à Zvenn pousando em seu ombro. Ele dá uma bicada em algum bicho que passava pelo pescoço do Sluagh e fica ali no ombro esperando para entrarem juntos.

Zvenn passa pelo portal e se encontrava em uma sala pouco iluminada e empoeirada. Na meio da sala havia uma pequena mesa de chá com um bule e duas xícaras. Havia também duas cadeiras em cada lado da mesinha. Em uma delas o Conde Trevor Olhos-de-Corvo estava sentado.



Zvenn via também grande espelho oval de corpo inteiro. Era apenas o que tinha naquela sala. O Conde se levanta, retira sua cartola, faz uma pequena mesura e sussurra:

" - Bem vindo, Sussurros-das-Almas. Soube que gostaria de falar comigo."

Ele vai até a mesinha, pega um bule, enche as duas xícaras e continua de forma extremamente polida:

" - Venha, tome um chá comigo enquanto conversamos e compartilhamos informações."

Havia também na mesa alguns bolos que pareciam bem velhos, porém apetitosos.

O desajeitado Sluagh e seu corvo estavam, mais uma vez, diante de Trevor. A mesa posta e o convite não podiam ser recusados. O Sluagh faz uma reverência respeitosa, saudando seu anfitrião:

'- Conde Trevor Olhos-de-Corvo, agradecido pelo convite.'

Diz enquanto se acomoda de forma desajeitada e já responde à pergunta que lhe é feita:

'- Eu preciso saber mais sobre a história de Balor, você poderia me contar durante o chá?' 

O Conde parecia feliz em falar sobre isso.

" - Primeiro vou lhe contar sobre o atual Alto Lorde da casa Balor e suas lendas. O Alto Lorde Lil-Tili afirma ter sido criado e amamentado por lobisomens corruptos, se isso é verdade ou não, ninguém sabe. O que se sabe com certeza é que ele governa um reino submarino nos destroços abandonados de um transatlântico em Concórdia, onde seu séquito construiu um palácio cuidadosamente mantido. Seus servos têm um dom não natural que permite aos visitantes descer com eles para as profundezas. As lumeeiras do Freehold iluminam sua sala de audiências e 13 desses lobisomens corruptos, que se auto-denominam Dançarinos da Espiral Negra a guardam. "

Ele dá um pequeno sorriso irônico e comenta:

" - E depois dizem que nós é que somos nojentos, meu amigo... Enfim, eu só queria te mostrar um pouco sobre o que é a casa Balor. Agora, sobre o Lorde Balor em si, o fundador da casa na idade mítica, a realidade e a lenda se misturam. A lenda fala sobre Lugh dos Braços Longos, filho de um Fomori com uma Tuatha de Danaan e neto do Rei dos Fomorians Balor do Olho Malígno. Lugh matou Balor em batalha, conseguindo para si a Lança de Assal, uma lança que o protegeria de todo o mal. Se tornando imune ao Olho-Maligno de seu avô. "

Ele finaliza:

" - Estou chegando a conclusão que uma das formas de lutar contra a situação atual seria conseguir a Lança de Assal. Talvez ela nos traga alguma chance contra o Inverno. O que acha?"

Zvenn ouvia com atenção as palavras do Conde. O Sluagh sabia que era sua tarefa recolher aquelas informações e escutava cada palavra com atenção. As primeiras palavras envolviam lobisomens denominados Dançarinos da Espiral Negra e, seu número (13) demonstrava uma guarda poderosa do Freehold submarino.

Logo em seguida a conversa ruma do Freehold submarino do Alto Lorde Lili-Titi e seus sentinelas Espirais Negras para a história da Casa Balor. E uma arma que poderia ser a diferença entre tudo ali. Zvenn olha para o Conde e comenta:

'- Pela história que me contas, Conde Trevor Olhos-de-Corvo, essa lança pode ser um grande diferencial, mas por tudo que você fala sobre ela, acredito que seja difícil encontrá-la... você tem ideia de onde ela se encontra?'

*Não me responda o que eu estou pensando, por favor* - comenta Zvenn, receando uma jornada ainda mais intensa e perigosa do que a jornada atrás da Rabeca.

Zvenn por vezes se perguntava sobre os caminhos que seguia. Ele tinha acabado de viver um de seus momentos favoritos, assustando o casal invasor, mas novamente o que parecia uma jornada parecia entrar em seu caminho e o Sluagh já havia entendido desde quando fez seus sacrifícios que apesar da Paixão sempre vir antes do dever, brigar com as teias do Destino custava bem caro.

Conde Trevor Olhos-de-Corvo se levanta. Ele tira de dentro de seu bolso uma pequena bolsa que faziam barulhos de moedas, ele tira 4 moedas estranhas da bolsa, entrega duas nas mãos de Zvenn e fica com duas. Ele vai até o grande espelho que estava na sala e encosta as moedas nele. O aspecto do reflexo muda, parecendo que um véu branco tomava o seu lugar. Ele diz:

" - A lança foi destruída. Mas ainda existe. Não aqui, mas do outro lado. Eu consegui localizar alguém que saiba onde ela está mas não achei sábio ir sozinho. Venha comigo e vamos descobrir. Venha comigo para o Mundo dos Mortos."



Ele então entra no espelho e era como o Conde passasse por um véu. Apenas Zvenn estava ali sozinho com seu estranho corvo, duas moedas na mão e o espelho.