O Sonhar Próximo

Zvenn era o primeiro a sentir um cheiro de queimado, ele abre os olhos e instintivamente bota a cabeça para fora de debaixo da cama e pode ver que a cabana começa a pegar fogo. O Sol já estava nascendo e parecia que de alguma forma o fogo não se alastrava pela "lona" da cabana, porém se alastrava para os itens que havia em seu interior. 

Na verdade era um pouco estranho, pois parecia que o que fazia a cabana queimar era o próprio Sol que conforme ia nascendo e batendo nela a fazia queimar. Os outros acordam logo depois para ver a mesma cena. Alice acorda ainda descrente de que ainda estava nesse pesadelo que cada vez piorava mais.

Ikkarus sabe exatamente o problemas, parecia algum tipo de alergia do material que foi construído ao Sol, como foi feita a noite, sem os devidos testes de temperatura e pressão, não havia como prever essa pequena falha no projeto.

Arianna estava de pé e sua cama parecia pegar fogo bem como uma parte da entrada da cabana, ela pergunta para Ikkarus:

" - A sua cabana tem alguma saída de emergência? "


Não havia.

A Baronesa desperta de seu sono com o cheiro de fumaça. Rapidamente ela acorda para se descobrir presa uma armadilha flamejante que era a tenda. 

*O que diabos está acontecendo? Esse Nocker quer me matar?!*

Se levantando rapidamente a Baronesa vai até Ariana e apontando para a parede de tecido da tenda fala: 

"- Venham todos rápido! Ariana e Idris rasguem e façam um buraco para que nós possamos sair deste inferno. AGORA!"

A Baronesa espera próximo o suficiente para ser a primeira a sair assim que o Buraco fosse feito. Se houvesse tempo ela ajudaria os demais a sair uma vez que ela estivesse a salvo.

Íkkarus se remexeu a noite inteira. Não teve a melhor noite de sono, apesar de ter renovado todas as suas energias. Parecia que o Sonhar havia trazido à sua mente mortal muitas das lembranças das taaaantas outras vidas que seu semblante quimérico teve a chance de experimentar. Quantos conhecimentos adquiridos que se perderam com a morte daquele corpo fraco e perene? Aparentemente, o jovem Nocker dificilmente os teria, afinal o que o Sonhar lhe trazia à tona não eram lembranças nada boas. Ele se via no seu atelier, tão reconhecível para ele mesmo, apesar de estar ligeiramente diferente. Ele parecia trabalhar sobre algum novo projeto, poderia sentir o entusiasmo transbordando do seu peito e...

… BOOM! BOOM! BOOM!

Tudo explode e a única coisa que Íkkarus consegue sentir é a dor de seu corpo queimado e dilacerado. Mas a cena logo se modifica. Agora ele estava nas caldeiras de um grande navio, uma sirene irritante lhe atormentava a cabeça. A navegação parecia afundar, visto que a água tomava conta de tudo. Ele ressentia o sentimento claustrofóbico a medida que a água subia de nível. O som de explosão lhe ensurdece e ele apenas sente um grande impacto na sua cabeça. Algo havia lhe acertado em cheio, desacordando-o...

… E aí uma nova cena!

Mais uma vez ele estava em seu atelier… E TUDO ESTAVA EM CHAMAS! O cheiro de coisa queimada invadia as narinas do Nocker. Parecia tão real!

‘- AAAAAAAAAAAHHHHH!’

Os olhos de Íkkarus se abrem, a cena muda, mas o cheiro de fuligem ainda permanecia. A cabana estava em chamas! O jovem Estovado logo entendo o que havia ocorrido, uma pequena falha em seu projeto. Ele, que já estava irritadiço devido a profusão de pesadelos mortíferos que havia tido, fica mais irritado ainda ao relembrar todos os pequenos erros de suas grandes obras. TODAS ELAS. Íkkarus era um inventor experiente, estava a milênios construindo grandes coisas, havia surgido dos sonhos de perfeição que permeava a mente da humanidade a eras. Ter consciência desses pequenos erros lhe emputecida. Mais puto ainda ficava ao ouvir perguntas idiotas… como a de lady Arianna.

*Esses nobres devem ter cérebros deficientes! Os neurônios devem estar aturdidos pelo sangue azul que correm em suas veias!*

Ele se ergue num pulo, certificando-se que os gravetos ainda estavam dentro do bolso interno de seu macacão. Ele apenas a responde, tentando manter forçadamente a cortesia:

‘- Lady Arianna, isto aqui não é um prédio banal, dentro de uma rua banal de uma cidade banal. Saída de emergência são coisas banalizadoras demais; não me peça para criá-las no Sonhar!’

Ele escuta a ação da Baronesa e apenas balança a cabeça negativamente. O que ela tinha de bela, ela não tinha de inteligente, aparentemente. Ele pede que Idris e Arianna rasguem um buraco na tenda, o que era até um plano interessante, não fosse o fato dela ter apontado para uma área pouco adequada para tal. O teto cairia sobre suas cabeças se algum daqueles precipitados resolvessem atender aos pedidos nobres da Sidhe. Íkkarus dá um berro:

‘- NÃO! AÍ NÃO!’

Ele aponta uma outra área, não muito distante do ponto indicado pela nobre, mas que ele havia analisado (4 sucessos) perfeitamente. Era ali que deveriam escapar.

‘- O teto cairá sobre nossas cabeças, Baronesa… Aí é arriscado demais!’ - ele olha para o Eshu, que provavelmente também já estaria de pé, e lhe aponta o local mais adequado: ‘- Aqui, Bancole, rasgue aqui! Mas seja rápido, não temos muito tempo!’

Ele aguarda a ação do Eshu, verificando o alastrar do fogo para certificar-se que nada cairia sob suas cabeças.

A Baronesa escuta as palavras do Nocker e se movimenta rapidamente para a região apontada pelo língua-suja, ela seria a primeira a escapar, sua beleza e magnificência não poderiam ser perdidas em algo tão ordinário como um incêndio pela incompetência de um Nocker.

Idris tivera uma noite sem sonhos, talvez, toda a energia de seu corpo estava empenhada em recobrar-se, talvez, as duas partes dele mesmo estivessem a duelar para comandar seus sonhos, mas, de toda forma, ele dormiu no chão frio onde tantas outras vezes havia dormido..

A leve brisa morna que indicava o raiar do dia vinha..

*O QUE?*

Como uma mola tesa que se solta violentamente, o Wylder pulava, pondo-se de pé, analisando o ambiente a seu redor, quando a ordem da baronesa vem, ele Hesita um segundo, procurando Alice com os olhos..

"-Venha pequena princesa, para perto de mim, o que seria um caminho sem uma Aventura?" - As palavras do Eshu tentam reconfortar a menina, e, como sempre, ele estava no local certo na hora certa, pois, caso estivesse em outro lugar, teria feito tudo desabar sobre eles..

Revigorado pela noite e, ao lado do exato ponto incado pelo Nocker, Idris faz as duas lâminas aparecerem em suas mãos desenhando um semi círculo com cada uma delas, fazendo aparecer em sua frente, um buraco para fora do inferno..

"-Vamos nobres companheiras, vocês primeiro.."

Ele tentava manter o tom calmo para não assustar ainda mais aquela pequena e ferida sonhadora..

A Baronesa não hesita um segundo e passa pelo buraco para a segurança do lado de fora. Uma vez que estava a salvo ela generosamente ajuda os outros a saírem.

O Exú abre um arrombo na tenda da cabana, criando uma abertura considerável para a passagem da Mixórdia. O Nocker sorri. Ele observa a Baronesa sair e espera que todos saiam. Ele dá uma última olhada para sua criação tão perene e, neste instante, percebe que faltava alguém.

*Onde está aquela criatura escorregadia?*

Zvenn não aparecia nas vistas do Estouvado, mas, pelo pouco que havia percebido, o Sluagh poderia ter escapulido dali e saído pelo buraco sem ser notado pelo olho mais perspicaz dos Pés Escuros. Acreditando em sua teoria, o Nocker acompanha o grupo para fora, antes do Exú e logo após as Sidhe.

Arianna entende o ponto do Nocker e afirma:

" - Então a gente faz nossa saída de emergência!"

Ela atravessa pela abertura criada pelo Eshu, todos atravessam também, é possível ver uma sombra se esgueirando pela saída, era Zvenn que parecia fazer questão em sempre colocar um certo peso e assombro a qualquer situação. Todos param em um semi-círculo a tempo de ver a cabana sendo consumida pela sombras enquanto o Sol bate nela, Arianna olha compenetrada para o fogo. Como se fosse um vampiro, alguns momentos depois a cabana não era nada mais do que um pilha de cinzas que são levadas pelo vento.

Arianna olha para todos com um olhar sério e diz para Ikkarus:

" - Bom.. pedimos um lugar pra passar a noite e é o que nos foi dado, você leva tudo muito ao pé da letra mestre construtor!"

E desatina a rir uma risada sincera, era notório que Arianna tinha alguma relação com o fogo, sendo parte de sua essência desde as primeiras vezes que todos interagiram com ela.

Os cavalos e o Javali estavam ali próximos olhando aquela cena estranha e Alice pergunta para todos:

" - É agora que vocês vão me levar para casa? Eu estava indo naquela direção, mas não sei porque."


Ela aponta para a mesma direção que vocês estavam indo no Caminho de Prata.

Ver tudo ruir diante de seus olhos lembrava a perenidade do mundo mortal através das eras. Mas, como colocado pela jovem dos cabelos dourados, a construção havia servido ao propósito do grupo, não sendo mais necessária. Ele apenas sorri diante do comentário, escutando logo depois o questionamento da criança misteriosa. Ele olha na direção de Zvenn e de Evonny, que havia fechado um acordo entre si que aparentemente não seria contado aos outros. O Estouvado cruza os braços e, olhando para a Baronesa, questiona:

’- Acredito que não há mal algum em termos mais uma viajante em nossa caravana, estou correto, Baronesa? Só não podemos escapar demais de nossa rota, afinal a manutenção de tudo que conhecemos no dicado depende de chegarmos ao nosso primeiro destino.

A Baronesa observa todos saírem com a mesma expressão no rosto que a virgem maria espera os inocentes que alcançam o Céu. Porém no caso da Nobre era tudo fingimento. 

*Menos mal, não perdi nenhum servo neste acidente idiota.*

"- Ikkarus, eu o proíbo de construir tendas auto-destrutíveis novamente. Não existe pior maneira de acordar do que com incêndio. Tenha mais cuidado da próxima vez." Diz a Baronesa com seriedade e um olhar intenso na direção do jovem Nocker. 

A Baronesa escuta a piadinha de Ariana mas mantém suas feições sérias, mas se agressividade. 

*Essa garota é realmente louca.*

A jovem criança também se manifesta e o Nocker também. 

Virando-se para a jovem sonhadora a Baronesa fala com o mais doce de seus sorrisos maternais:

"- É claro que nós vamos levá-la minha pequena. Como eu disse antes, agora você está sobre a proteção da Baronesa Evony de Eiluned e não tem mais nada temer."

A Sidhe se aproxima da criança e afaga se rosto com carinho. Mas sem que a pequena veja ela lança um olhar mortífero para Ikkarus enquanto lhe responde, mas sem jamais perder a amabilidade de sua voz: 

"- Nos desviaremos de nossa rota o quanto for necessário Ikkarus. Nossa missão é deveras importante, mas eu jamais permitirei que uma garota tão doce e indefesa  como essa siga sozinha neste mundo repleto de perigos. Você não tem coração?"

A Baronesa caminha lentamente e quando apenas Zvenn pode ver seu rosto ela troca um olhar cúmplice acompanhado de um malicioso sorriso e indo na direção dos cavalos, ela continua:

"- Idris cuidará da guarda pessoal e cavalgará com a pequena Alice. Eu irei com Lady Ariana e Zvenn e Ikkarus seguiram no outro cavalo. Iremos num ritmo tranquilo para evitar acidentes e nada nos impede de aproveitarmos a linda vista do Sonhar." 

E agora próximo aos cavalos ela espera até que Arianna suba e estenda a mão enquanto gesticula para o Javali: 

"- Venha Porco. Siga a sua nova mestra."


A Jornada podia continuar agora.

Zven acorda com o crepitar e o calor das chamas. Ainda embaixo da cama, observa a situação e vê que o trabalho do Nocker demonstrava-se digno do porco da Baronesa. Chega a se preparar para respirar fundo, mas lembra-se da fumaça e pensa.

*Ideia estúpida, Zvenn... você é melhor que isso.*

A Baronesa começa com os xiliques da nobreza e Zvenn lembra que tinha um juramento e movido por ele, sai sorrateiramente de debaixo da cama sem nada dizer. A ideia da Baronesa parecia lógica, mas o Nocker, talvez pela pura vaidade de ser o responsável por aquele circo em chamas, aponta um outro local.

*Vaidade... um dos pecados mais aromáticos.*

O Sluagh é o último a sorrateiramente a sair. Sai a tempo de escutar a jovem falar a direção para onde seguia e para tomar nota para si daquilo. Com seus olhos busca notar algo que lhe chamasse atenção naquele caminho. Ciente de que ficaria junto do Nocker, Zvenn desliza furtivamente para as costas do mesmo e sussurra em seu ouvido:

'- Parece que o destino insiste em nos unir, jovem incendiário...'

O Nocker apenas arqueia a sombrancelha ao ouvir as "ordens" da Baronesa. Se nem ele por vezes tinha domínio sobre o que suas criações faziam, imagine uma mera sangue azul que não conseguia produzir nada de interessante que não fossem cânticos e ordens ao vento. A ignorância devia ser um traço da nobreza e não seria dever de Íkkarus consertá-la... nada era perfeito, nem mesmo naquele mundo!

Quanto ao olhar ferino, o Nocker apenas cruza os braços com desdém. Não tinha medo da cara de fome da Baronesa, apesar de ser muito peculiar observar um rosto tão angelical daqueles performar traços ferinos. Ele tinha receio de atos e, aparentemente, os atos daquela Sidhe se dissimulavam de seus pensamentos e planos. Ele precisava descobrir o que raios havia ocorrido com aquela bendita garota para ser alvo da bondade de Evony.

O Estouvado estava pronto para responder a Sidhe que seu coração havia sido substituído a eras por engrenagens, quando uma voz sussurrante atravessa os seus tímpanos, arrepiando o corpo do Nocker, que sobressalta em alerta. Era a miserável cobra escorregadia que atendia pelo nome de Zvenn.

'- CARALHO, ZVENN! Não temos tempo para seus hobbies tenebrosos e esquisitos de se esgueirar pelos cantos.'

Ele pega a cela do cavalo e joga para o Sluagh.

'- Você irá na frente, eu me recuso a te ter nas minhas costas mais uma vez!'

 Naquele instante, o Nocker pensa em Pepe, desejando que o mesmo estivesse ali. A viagem seria mil vezes mais fácil com seu amigo de longa data.

Não é raro para muitos do povo belo perderem-se em devaneios, e, Idris mais do que ninguém tinha o costume particular de perder-se dentro dele mesmo, porém, naquele momento singular, ele perdia-se no que ocorria a sua frente.

Com um olhar mais calmo do que jamais direcionara a baronesa, o Eshu faz uma pequena e discreta reverência de afirmação quando esta afirma que desviariam-se o necessário para deixar a pequena em segurança, e, quase como que o sonhar decidisse banhar a essência do Wylder com uma água morna e relaxante, a criança fala que ia na mesma direção deles..

O sorriso finalmente ilumina a face do negro Eshu que ignora sumariamente as pilhérias alheias..

“- Minha pequena.. - Fala o Kithian enquanto a ajuda a subir no cavalo - .. sabe porque ia naquela direção? - uma pequena pausa - Os adultos seguem caminhos, crianças e sonhadores, exploram. Os adultos ficam satisfeitos por seguirem sempre o mesmo trajeto centenas, ou até, milhares de vezes e, talvez, nunca lhes ocorra pisar fora desses caminhos..”

Ele então começa a conferir os arreios dos cavalos enquanto envolve a pequena em uma memória que não era apenas para ela, mas, para lembrar a TODOS algo que era particular da essência do próprio Eshu...

“-... Aos adultos, talvez jamais ocorra a ideia de rastejar por baixo de um muro, ou, encontrar o buraco em uma cerca. As crianças e os sonhadores não, nós conhecemos dezenas de maneiras de sair de nosso terreno e ir onde desejamos, ora, de que outra forma haveria de ser? Então pequena, você ia para lá, pois você sabe que é para lá que deve ir, e, para lá iremos lhe levar, até que a deixemos com seus pais, porém, nunca se esqueça que existem mil maneiras de se chegar onde se precisa...”

Tocando as ancas do cavalo, ele começa a tomar a frente da comitiva...

Era uma cena maravilhosa Evony (com aparencia 8 ) e Ariana (com aparencia 7 ) em cima do cavalo. A Cena constratava de uma forma grotesca com Ikkarus e Zvenn (ambos de aparência 1) tambem dividindo outro cavalo. Para Ídris, que via a cena de fora aquilo era confuso ao extremo e exigia bastante de sua sanidade. Alice já estaria completamente louca se fosse um pouco mais velha.

A menina sobe no cavalo de Ídris e se ajeita confortavelmente em sinal de confiança no Eshu, ela responde:

" - Eu não sei porque tenho que ir naquela direção, como eu to sonhando, acho que é só aquele tipo de situação que a gente faz alguma coisa nos sonhos e a gente não sabe porque."


Vocês andam por aproximadamente uns 30 minutos e alguns pontos pareciam familiares com o mundo outonal, porém constantemente a paisagem é de árvores e florestas com o Caminho de Prata cortando como se fosse uma trilha, ao poucos é possível perceber que a paisagem começa a mudar, indo de um clima mais agradável para um clima um pouco mais quente e aos poucos as árvores começam a ficar mais espaçadas entre si até o momento que não há mais árvores, e as que tem parecem um pouco mais secas, é possível notar também algumas rachaduras no chão devido a falta de água. Porém o caminho de Prata seguia forte indicando que, na medida do possível, ali havia alguma segurança.


Após mais alguns minutos andando, vocês conseguem avistar ao longe uma espécie de prédio, estranhamente, ele parecia um prédio comum. Notoriamente era alguma espécie de hospital, sua entrada ainda estava no Caminho de Prata e ele estava no meio da paisagem de seca, sem nenhum tipo de vegetação em volta, apenas rachaduras e veredas. Alice diz:

" - É ali que eu tenho que ir."

A dicotomia era algo inerente a todas as histórias, havia um bom e um mau, um inteligente e um.. bem.. um não inteligente.. Havia o corajoso e o covarde, mas, nem nas melhores ou piores histórias testemunhadas, contadas ou ouvidas pelo Eshu, ele conseguira ver tamanho abismo..

*É como assistir um grão, sem poder voar, tentando atravessar o oceano sem se molhar..*

O caminho então começa a mudar e o Eshu podia sentir, como sempre sentia, que estavam no caminho certo, que era para lá que todos precisavam ir..

*Eu já sabia para onde ir antes mesmo de existirem caminhos..*

.. A lembrança passa pelo Wylder como um raio, lembrando-o novamente de quem ele era..

Ante a fala da pequena, Idris abre novamente seu sorriso de calor e diz..

"-Claro que é pequena Princesa, não lhe disse que lhe levaríamos onde precisava ir?"

A visão do Hospital porém traz memórias cinzas, a banalidade que emanava da lembrança daquele local era a única coisa que poderia assustar Idris naquele momento, mas, mantendo a persona, vira-se para trás e comunica às duplas dualistas..

"-Alí meus amigos, devemos levar nossa pequena princesa para lá.."

A Baronesa segue na companhia de Ariana enquanto cavalgavam pelo senhor. A Sidhe observa a vista e passa o tempo todo contemplando como tudo aquilo seria melhor se todos simplesmente reconhecessem o seu direito divino de governar. 

*Seria tão mais fácil... Para eles...*

A jovem Alice os guia juntamente com o Exu para a direção que precisava ir e paisagem verdejante é substituída por uma terra seca e rachada até que finalmente o grupo avista um prédio comum, que parece ser um hospital. 

A Jovem aponta e diz que era ali que deveria ir e o Exu reforça sua fala. 

Impelindo então o cavalo a continuar, a Baronesa fala:

"- Então vamos. Levaremos a pequena para seu destino."


*Será que ela está pronta para o que vamos encontrar lá?*

Eles seguem o caminho indicado pela jovem sonhadora e a direção os leva a uma mudança contrastante de cenário. As árvores frondosas, retorcidas e esverdeadas davam lugar a uma vegetação desvegetada, rareada sob o solo rachado e cor de fogo. Era quase como se o sol tivesse dado sua cor emprestada àquele chão depois de tanto marcá-lo com sua energia. Era possível sentir o calor emanar das rachaduras como se litros e litros de lava transbordassem sob os cascos dos cavalos que faziam o trajeto. Era um calor filho da puta... de matar, literalmente!

O hospital que desponta na paisagem faz as lembranças da primeira aventura da Mixórdia virem a tona na mente do Nocker. A Banalidade lhe dava um beliscão de lembrança. Aquele lugar lhe dava calafrios e ele poderia jurar de pé junto que a sua mera lembrança criou aquela miragem no Caminho de Prata. Entretanto, Idris aponta aquele como sendo o caminho que deveriam seguir. Os Exus sempre iam e estavam nos locais certos, nas horas certas; seria tolice duvidar da convicção de Bancole. A baronesa direciona o grupo naquela direção e, assim, o jovem Estouvado, um pouco mais estressado devido o calor pugente, espera que o Sluagh direcione o cavalo para a mesma direção que todos.

Vocês chegam até a porta do hospital, Alice parecia mais curiosa do que assustada agora e conforme vocês se aproximam, parece que o hospital se tornar mais consistente, mais "sólido". Vocês deixam os cavalos amarrados próximo à entrada. Alice diz:

" - É aqui que eu tenho que vir. "

Ao entrarem vocês se deparam com a recepção de um hospital, na sala de espera é possível ver algumas pessoas andando ou esperando, porém elas pareciam foscas  e opacas, como se fato não estivessem ali. Eram apenas borrões de memória. Além disso, um barulho de bip constante e repetitivo preenchia todo o local. Mais à frente, havia o balcão da recepção onde uma senhora de óculos, essa mais consistente que os outros, olhava para vocês com um olhar simpático e convidativo, havia algo de muito poderoso naquele Sonho. Embaixo, no balcão havia uma placa e escrito em letras garrafais a seguinte frase:



" DEIXE AQUI SUA MAIOR CULPA PARA SER ATENDIDO PELO MÉDICO "

Ela pergunta:

" - Vocês querem ser atendido pelo Doutor? Se quiserem venha por favor, cada um aqui ao meu ouvido e me conte sua maior culpa. Ele irá atende-los em seguida. "

A Baronesa entra curiosa no “hospital” aquilo era algo extremamente novo e como uma boa Eiluned, ela estava intrigada. Uma  misteriosa recepcionista senta a sua frente e pergunta se eles gostariam de ser atendidos pelo médico. O preço da consulta era contar a sua maior culpa e por instante a nobre congela em seu lugar.

Buscando em seu coração ela descobre que não se sente culpada por nada. Ela relembra varios segredos obscuros e atitudes que poderiam ser consideradas duvidosas por outras pessoas, mas não por ela. Ela era uma nobre e não era regida    pelas mesmas regras que os meros mortais até que ela fica seria e lembra de sua única culpa. 

Uma nuvem negra passa pelo rosto da Sidhe que segue confiante até a recepcionista e sussurra algo em seu ouvido. Após a permissão para continuar a nobre Baronesa apenas segue para a próxima sala esperando que os outros a seguissem. Ela precisava de um segundo sozinha para se recompor.

Ao entrar no hospital, a força daquele sonho se fazia presente até mesmo em suas paredes e o Eshu olhava intrigado para as mesmas, bem como para os vultos que lá estavam..

*O Bip?* - Era irritante..

Quando a recepcionista questiona aos mesmos que o ingresso para aquele local seria sua maior culpa a mente de Idris automaticamente retorna ao céu estrelado do morro do Rio de Janeiro enquanto ele escutava sua..

*Mãe*

.. Ensinar-lhe o nome das estrelas e de constelações de mentira..

*Quem era realmente ela??*

.. Sua mente então se volta ao olhar cansado do Nocker, quando este, após o rompante de derrotísmo causado por seu ego ter feito com que perdesse o braço..

*O que diabos eu estava pensando?*

.. Seu ego.. seu maldito EGO.. ele o levara novamente a, de maneira leviana, por todos em perigo, fazendo com que a lâmina da Redcap que teria o ceifado, encontrasse Alana, pondo fim a um sonho por fim..

*Eu? Destruindo sonhos?*

O Wylder sabia qual era sua culpa, sabia o que o havia levado a ser incapaz de compreender aqueles ao seu redor, a poder antever fatos tão óbvios.

"-Você sabe para onde ir pequena princesa, estarei lhe esperando onde quer que seja.."

Deixando a mixórdia para trás, ele se aproxima da carismática atendente, lhe sussurra algo em seu ouvido e, após a mesma olhar de maneira questionadora para o Eshu por alguns segundos diz "O doutor também está lhe esperando.."

Num rompante, Arianna chuta uma das cadeiras da sala de espera a jogando longe, seu rosto estava vermelho de raiva e seus olhos marejados. A Senhora olha impassível para o pequeno show e Arianna diz:

" - Se é isso que você quer... "


Ela fala algo também ao ouvido da recepcionista que dá uma risadinha sutil, acena com a cabeça e libera a passagem para a Sidhe, que entra sem olhar para trás.

O comboio desce das suas respectivas selas, deixando as montarias na frente daquele lugar inusitado. O Nocker adentra o local, dando uma última olhada para o cenário precário que deixava para trás. Dentro do hospital, uma cena mais inusitada se desenrolava. As silhuetas embaçadas se arrastavam pelo hall de entrada, que nada se diferenciava dos tantos halls assépticos daquele tipo de lugar. Mas as silhuetas eram algo que realmente não se via normalmente. Menos normal ainda eram os dizeres da placa na recepção, onde uma mulher mais velha estava disposta.

Contar sua grande culpa? A troco de que? O que havia ali para valer tanto? Resignar-se a aceitar os próprios erros era um processo doloroso, mas o Estouvado estava acostumado com o processo. Anos e anos de sua vida foram seguidos pela culpa… por ser adoentado, por ser tão diferente das outras crianças. Ele cresceu e entendeu o por que de tudo aquilo. Aquela culpa ele já não carregava mais. Então, qual seria a atual?

O Nocker ia vendo seus companheiros, um por um, irem até a dama e lhe sussurrarem seus segredos culposos. Estava tão compenetrado, mas tão compenetrado, que a estripulia de Ariana lhe passou batido. Quando se deu conta, faltavam poucos deles para passar dali. Naquele instante, uma outra dúvida brota em sua mente. Ele não estava doente, porque tinha que ver um doutor? Ele não entendia aquilo, não parecia fazer sentido… era o tipo de coisa que não fazia as engrenagens funcionarem. Mas todos da Pés Escuros iam e Ikkarus não poderia se furtar a ser abandonado daquele lado.

*Vamos lá!*

Ele dá de ombros e, então, se aproxima da mesa de atendimento. Ele aproxima seus lábios do ouvido da mulher e estala as palavras que tanto temia dizer em voz alta. Estava ditas, aos sussurros, para aquela senhora. Restava agora reconhecer o que os aguardava depois daquela recepção. O Nocker segue, incomodado com a situação. Não gostava nem um pouco de fazer algo sem saber o real sentido daquilo. Não gostava de não ter um plano de estar às cegas numa situação.

Zvenn vai em direção à senhora e sussurra algo em seu ouvido, ela olha espantada por alguns segundos, mas acena para que ele prossiga também.

Ao entrarem vocês se deparam com um consultório médico normal, com uma maca ao lado e uma mesa. Sentado à mesa, há um médico, ele está fantasiado de palhaço como se fosse aqueles doutores da alegria. 

Alice não entra e vocês, ao passarem pela porta, notam que ela deixa de ser uma porta e vira apenas uma parede comum.

Porém, atrás do médico algo chama atenção em uma cena macabra. Amarrado em um cadeira, com os olhos e bocas vendados e completamente nu há um homem de meia, levemente gordo, bastante asqueroso e suado. Atrás dele há duas portas comuns e cada uma delas tinha uma placa. 

Na porta da esquerda a palavra escrita era "VINGANÇA" e na porta da direita a palavra era "PERDÃO".

O médico se levanta como se aquela fosse a cena mais normal do mundo e fala bem humorado, olhando uma espécie de prancheta cheia de papéis em branco:

" - Bom, temos novos pacientes aqui! Já recebi as fichas de vocês aqui e preparei o tratamento, principalmente para nossa pequena Alice que é a causa disso tudo aqui. "

Ele vai em direção ao homem preso na cadeira e diz em um tom didático, puxando ele pelos cabelos:

" - Esse é o Tio Peixoto e essas portas levam quem passar por elas para onde querem ir no mundo outonal. Nossa pequena deusa, criadora desse pequeno universo apenas quer ir para casa. Cabe a vocês, Kithain, guardiões do Sonhar, decidirem o destino e a forma como ela vai voltar. Se através do Perdão ou através da Vingança. Seu corpo está definhando, ela apesar de parecer forte, não tem mais forças e nem sabedoria para tomar essa decisão."

Ele solta o cabelo do homem de continua explicando:

" - A pequena Alice criou isso tudo, por isso, quando ela partir, tudo que está aqui dentro vai se desfazer, inclusive vocês. Então, antes dela partir, sugiro que vocês vocês passem pela porta que não escolheram para ela. O Caminho de vocês é diferente do caminho dela, por isso, vocês não poderão trilhar a mesma porta. Caso escolham a Vingança para ela, entrem na porta do Perdão pela culpa que cada um de vocês carrega. Caso venham a escolher o Perdão, o peso da Culpa será o único caminho. Alguma dúvida?"

Pelo que já conheceram e conseguiram ouvir sobre o Sonhar, vocês estavam em um pequeno pedaço de Sonho criado por uma Sonhadora. Tudo ali era baseado em algo profundo no inconsciente de Alice, tudo foi criado temporariamente como um refúgio para a sua mente. Tudo era quimera, mas no Sonhar, as quimeras são reais, ela tem suas próprias vontades e métodos baseados na forma de pensar de quem o sonhou. Essa é a essência do Sonhar Próximo, os desejos, sonhos, vontades e medos mais latentes de cada um dos humanos.

A Baronesa se recompõe após ter falado em voz alta pela primeira vez a sua maior culpa. Culpa era um sentimento novo para a orgulha sidhe que jamais havia pensado sobre tais coisas tão mundanas. 

Evony olha curiosa para o médico palhaço e lança um olhar mortífero ao asqueroso e repugnante homem amarrado ali e logo em seguida troca um olhar cúmplice com Zvenn. Ela sabia que aquele não era o Tio Peixoto de verdade e ainda assim precisa se conter o suficiente para libertar todo o seu lado unseelie naquela representação do algoz de Alice. 

Sorrindo sedutoramente a estonteante Baronesa de Eiluned caminha com todo o seu gingado carioca na direção do médico enquanto afasta a prancheta delicamente com uma mão e segura sua gravata borboleta tosca com a outra, puxando-a levemente. 



*Quem essa pobre Quimera pensa que é para me dar ordens? O que é um sonho tão pequeno diante da minha grandiosidade?*

"- Ora ora Doutor. Nós estamos ansiosos para ajudar a pequena Alice e se recuperar desse crime tão hediondo. Eu não acho que o que esse asqueroso fez jamais seja passível de perdão. E por isso eu gostaria que o Doutor me ajudasse com algumas informações para que nós possamos ajudar a pequena Alice a ter sonhos felizes e nunca mais ter que se preocupar com o "Tio" Peixoto." o desdém era evidente quando ela falava daquele que havia profanado a pequena sonhadora e a Baronesa não se importava com quem notasse. 

Após uma breve pausa para que o "médico" considerasse as suas palavras, Evony senta sedutoramente em cima da mesa com uma cruzada de pernas que poderia matar um paciente cardíaco enquanto fala: 



"- Então nos diga Doutor... Qual o nome completo, idade e cidade de nossa querida paciente Alice? E que o senhor sabe sobre o Tio Peixoto?"

A belíssima sedutora se vira para o médico e discretamente roça sua perna na dele. Ele podia ser apenas uma Quimera, mas nem mesmo as quimeras estavam imunes aos encantos da Baronesa de Eiluned.

A mixórdia atravessa a porta e, aos seus olhos, uma cena bizarra se revelava. Um escritório comum, de um hospital não tão comum. Com certeza não seria só isso. Era tolo acreditar nisso! O doutor já era prova cabal que aquela experiência não seria normal. Fantasiado de palhaço, o médico os esperava. Íkkarus sorri, mostrando os dentes de sua forma féerica. Ele odiava palhaços e toda sua forma colorida de entender o mundo... nossa, como ele odiava! Para completar, eles estavam completamente presos ali, visto que a porta em que entraram havia sido "demolida" por completo. Para além disso, outra coisa macabra se estendia para além da silhueta colorida do palhaço-doutor. Uma cadeira. Um homem nu amarrado. Duas portas.

*Que porra está acontecendo aqui?*

Ele lê as placas presas às portas. Vingança e perdão. As palavras do doutor revelam quem era seu prisioneiro e o que eles tinham que fazer. Alice havia tecido tudo aquilo como forma de se proteger do que diabos havia lhe acontecido. Peixoto parecia ter sido autor de algum tipo de atrocidade que havia encaminhado a jovem Sonhadora para aquele local... e a Baronesa parecia conhecê-lo já. Ela fala do crime como se tivesse conhecimento de causa, demonstrando todo o desdém nas suas palavras. Seria por isso que a mesma estava tão determinada em levar a pequena até o seu destino? Evony era descaradamente sedutora e não escondia suas intenções. Ela tentava captar todas as informações que podia daquele pedaço de consciência produzido pela garota. Íkkarus se recosta na parede, deixando a Sidhe fazer o que fazia de melhor: Seduzir. Era a hora de agir e não de pedir esclarecimentos, então o Estouvado se resignava ao silêncio, tentando captar todas as informações que poderia.